[Artigo publicado por Virgílio Almeida, Prof. da UFMG e membro da Academia Brasileira de Ciência na seção de opiniões da Folha de São Paulo, 18 de Junho de 2009]
UMA DAS principais medidas de impacto dos primeiros cem dias do governo Obama nos Estados Unidos foi anunciar oficialmente um plano para a segurança do ciberespaço americano.
Em seu discurso na Casa Branca, o presidente incluiu a segurança do ciberespaço no rol das grandes ameaças globais e enumerou algumas razões que justificam a prioridade dada pelo seu governo a esse tema. As razões são múltiplas. Cobrem desde a segurança do Estado e da sociedade até a privacidade do cidadão, passando por questões militares e econômicas.
O ciberespaço refere-se ao conjunto de redes interdependentes que formam a infraestrutura de tecnologia da informação, incluindo a internet, as redes de telecomunicações, as redes do sistema financeiro e os sistemas de computação e redes que operam os serviços críticos de um país, como distribuição de energia, água e petróleo, transporte público e outros.
Ao contrário da natureza virtual do ciberespaço, as consequências de ciberataques são reais e representam riscos ainda desconhecidos para os países. Milhões de americanos têm sido vítimas de golpes na internet, onde informações sobre indivíduos, contas bancárias e investimentos têm sido capturadas por organizações criminosas que atuam no ciberespaço e que, nos últimos dois anos, causaram prejuízos superiores a US$ 8 bilhões.
As entidades criminosas no ciberespaço são várias. Englobam desde jovens hackers até organizações criminosas e terroristas.
Segundo o FBI, no ano passado, ladrões invadiram uma rede do sistema financeiro para obter ilegalmente informações de cartões de crédito e pagamentos. Com essas informações eletrônicas, roubaram mais de US$ 9 milhões em 130 caixas eletrônicos, espalhados por 49 cidades em diversos países, numa operação orquestrada que durou apenas 30 minutos.
Ao reconhecer que os EUA não estão devidamente preparados para proteger o ciberespaço, Obama propôs a criação de um gabinete na Casa Branca, ligado ao próprio presidente, para coordenar políticas e estratégias de segurança, integrando vários órgãos e agências do governo americano envolvidas com o ciberespaço.
O objetivo é claro: tornar o ciberespaço americano seguro e confiável, com recursos para se prevenir e se defender contra ataques, além de criar capacidade rápida para recuperação da infraestrutura, em caso de ataques.
Dadas a complexidade, a abrangência e a criticalidade do ciberespaço, a elaboração do plano envolveu consultas a diversos segmentos da sociedade americana, incluindo empresas de tecnologia, universidades, laboratórios de pesquisa, entidades de defesa das liberdades civis, sociedades científicas, como a Academia Nacional de Ciências, e amplos setores civis e militares do governo.
Além dos EUA, outros países se movimentam para desenvolver estratégias e políticas de proteção de suas infraestruturas de tecnologia da informação. Nas recentes eleições gerais na Índia, as duas principais coalizões políticas colocaram entre as propostas prioritárias de campanha a proteção do ciberespaço, com a criação de uma agência governamental de alto nível para a segurança digital.
No Brasil, não há uma valorização sistemática da cultura de prevenção de riscos. A percepção de risco pela sociedade e pelo governo só toma lugar após a ocorrência de incidentes e acidentes que chocam e atemorizam a opinião pública.
A segurança do ciberespaço brasileiro demanda um plano de ação. Os números já apontam para uma preocupante direção. Segundo estatísticas públicas divulgadas pelo Centro de Atendimento a Incidentes de Segurança da Rede Nacional de Pesquisa, o número de incidentes reportados a esse centro no mês de abril último foi de 36 mil, um número quase quatro vezes maior do que os verificados nos meses anteriores, desde o início das estatísticas, no ano 2000.
O Brasil não tem políticas claras a respeito de potenciais ataques ao seu ciberespaço, que engloba suas redes de comunicação, seu sistema financeiro, suas redes elétricas e outros recursos informacionais.
A questão da segurança do ciberespaço deve ser debatida ampla e abertamente, pois envolve interesses de diferentes grupos da sociedade e do governo e, eventualmente, interesses governamentais e corporativos podem entrar em choque com as garantias individuais e as liberdades civis dos cidadãos.
São questões complexas e novas, e a análise e o encaminhamento dessas questões podem se beneficiar de um "approach" multidisciplinar, envolvendo várias áreas da ciência e da tecnologia, em conjunto com esferas culturais e sociais do país.
VIRGILIO AUGUSTO FERNANDES ALMEIDA , 59, é professor titular do Departamento de Ciência da Computação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e membro da Academia Brasileira de Ciências.
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